Playstation 5 Pro e o fim da mídia física

Vander Felipe Ortiz Dos Santos
5 min readSep 18, 2024

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Playstation 5 Pro, com seu disk drive comprado separadamente

Esta semana eu fiz algo que não fazia a muito tempo, eu assisti um filme em DVD, como faziam os antigos mesopotâmicos. Essa experiência me fez refletir sobre o estado atual da mídia física no mundo contemporâneo, e o anúncio recente do Playstation 5 Pro, que mesmo sendo um hardware feito para entusiastas, não inclui mais o drive para discos, com o acessório tendo que ser comprado separadamente.

Diferentemente dos filmes e das músicas, que eram distribuídos em mídias físicas padronizadas (CDs e DVDs, por exemplo) e continham apenas arquivos de vídeo e áudio relativamente leves e fáceis de serem reproduzidos, videogames possuem algumas particularidades que fizeram o uso de jogos físicos ainda se manter (ainda que com uma relevância muito menor no mercado), mesmo após o advento de um mundo dominado por plataformas de streaming. Primeiramente, é importante notar que os diferentes consoles de jogos possuem cada um sua própria mídia proprietária, com os jogos de um não sendo intercambiáveis com os do outro. Isso torna a mídia intrinsicamente ligada ao hardware do console, podendo ser uma característica aproveitada para uma melhor experiência para o jogador (um bom exemplo disso é os cartuchos de Super Nintendo que possuíam mais memória RAM em si, possibilitando que jogos mais sofisticados rodassem na plataforma). Em segundo lugar, jogos por definição são uma forma de mídia cultural muito mais complexas em sua constituição de software, requerendo uma grande quantidade de armazenamento e um tempo de carregamento muito grande para que possam funcionar. Enquanto um arquivo de música se restringe a alguns poucos Megabytes e um filme em alta resolução possa chegar até algumas dezenas de Gigabytes, alguns jogos atuais passam das centenas de Gigabytes.

No mundo dos jogos de PC, a prática da mídia física já caiu em desuso a muitos anos, devido à grande quantidade de armazenamento interno possibilitada pela plataforma e pelo advento de lojas digitais muito robustas, como a Steam e a Epic, por exemplo. Enquanto isso, os consoles ainda continuam tendo suporte por mídias físicas proprietárias, mas cada vez de uma forma menor, tendo foco principalmente no mercado digital. Modelos de streaming também foram tentados, mas devido as especificidades do funcionamento dos jogos, nenhum foi bem sucedido. A empresa que mantém um maior foco em mídias físicas é a Nintendo, devido ao seu tradicionalismo e ao formato do seu console atual, o Nintendo Switch, que possui pouco armazenamento interno e jogos graficamente menos intensos que seus concorrentes, possibilitando que eles sejam armazenados em pequenos cartuchos proprietários, que conversam bastante com o modelo híbrido do console. A Sony e a Microsoft, por outro lado, têm buscado desde o lançamento do PS4 e do Xbox One em 2014 tratarem a mídia física apenas como uma “chave” de desbloqueio do jogo, com grande parte dos arquivos sendo baixados pela internet para o armazenamento interno do console, assim como se faz com jogos comercializados em mídia digital.

O que mudou agora é que, pela primeira vez, um console focado no público entusiasta não inclui nenhuma forma nativa de aceitar mídias físicas. O anúncio do PS5 Pro foi bastante controverso para muitas pessoas, seja pelo seu preço salgado (700 dólares no lançamento, bastante acima da média de mercado), seja pela decisão da Sony de se livrar do disk drive do console, vendendo-o como um acessório separado. A Microsoft já oferece um console que não inclui nenhuma forma de mídia física, o Xbox Series S, mas ele se justifica por ser um modelo de entrada, com o Series X incluindo um drive para discos.

Tal escolha da Sony nos diz muito sobre como as empresas veem o futuro do mundo dos jogos, com todos produtos sendo comercializados digitalmente, transformando as mídias físicas em um resquício de uma época passada. Isso me causa diversas preocupações, principalmente em relação à conservação de mídia e aos direitos de propriedade do consumidor. Já estamos ouvindo a alguns anos casos de filmes e séries que, após a janela do seu lançamento, são excluídos permanentemente de suas plataformas de streaming, se tornando legalmente inacessíveis. Também temos diversos relatos de jogos sendo excluídos de plataformas digitais, muitas vezes sendo acessíveis apenas por suas mídias físicas, se eles ao menos às possuem. Como exemplo, temos a história recente do jogo Concord, que foi desativado pela Sony, sobrevivendo apenas nas cópias de mídia física vendidas, que já estão se tornando itens de colecionador.

Estamos nos encaminhando para uma realidade na qual a sua propriedade dos jogos comprados é algo que estará completamente na mão das empresas responsáveis pelas plataformas digitais que possibilitam a sua compra. Cada vez mais teremos que nos acostumar com o conceito de mídia e cultura completamente perdida, com muitos jogos sendo preservados por colecionadores e hackers, que conseguem extrair e armazenar os arquivos digitais de forma paralela.

Um fato interessante é que após o anúncio do PS5 Pro, as vendas do drive externo de mídia dispararam, com muitos consumidores preocupados com não serem capazes de utilizarem seus jogos físicos no novo console. Isso nos mostra que o mercado ainda não está pronto para abandonar a mídia física como uma opção, e eu espero que as empresas tomem nota disso. Nós, como consumidores, estamos cada vez mais encurralados por corporações que visam apenas o lucro, muitas vezes em detrimento da experiência de seus clientes, e a retirada das opções físicas para jogos é mais um capitulo nessa história que já está se tornando distópica.

Cada dia fico mais feliz com meu eu do passado que escolheu apoiar a mídia física e ter alguns dos meus jogos e filmes favoritos preservados em minhas mãos, longe das garras mesquinhas das empresas que os publicaram.

Fontes:

Garrard, Steven. PlayStation Fans Seem To Hate The PS5 Pro, But Its Disc Drive Tells A Different Story. Screen Rant, 2024. Disponível em <https://screenrant.com/ps5-pro-disc-drive-orders-sales-reveal-playstation/>. Acesso em 16 de setembro de 2024.

Giannotti, Raphael. Chefe de Battlefield diz que PS5 Pro a US$ 700 não é caro para o que entrega. Adrenaline, 2024. Disponível em <https://www.adrenaline.com.br/games/playstation/chefe-de-battlefield-diz-que-ps5-pro-a-us-700-nao-e-caro-para-o-que-entrega/>. Acesso em 16 de setembro de 2024.

Edição física de Concord vira item caro após fim do game. Jovem Nerd, 2024. Disponível em <https://jovemnerd.com.br/noticias/games/edicao-fisica-concord-vira-item-caro>. Acesso em 16 de setembro de 2024.

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